Ser criança requer tempo; brincar demanda tempo. Construir a própria aprendizagem leva tempo.
Muito mais tempo que o necessário para absorver e reproduzir informações.
Todos que entendem minimamente de educação sabem que, no Brasil, o que temos é uma educação reprodutora, que busca os caminhos mais fáceis e rápidos para resolver os problemas do governo (ter crianças na Escola, aprová-las e aumentar o índice de “alfabetizados”); ou dos donos e mantenedores das escolas privadas: ter o maior número de crianças possível dentro do que permite o espaço/metodologia e ensinar com o menor custo possível; ou ainda dos professores: transmitir o conteúdo exigido pela escola ou parâmetros curriculares com o menor esforço possível.
Contudo, não é assim que trabalhamos. E os pais que estão aqui há algum tempo sabem que não é assim.
O que buscamos não são crianças que engolem uma informação sem sentido, descontextualizada. Mas que aprendam a pesquisar, a formular perguntas e hipóteses, aprendam onde e como encontrar as respostas, analisem, questionem, comparem…
E isso demanda tempo. O trabalho que realizamos na SEMPRE requer tempo.
Seria muito mais fácil se, a partir dos três anos, colocássemos nossas crianças uma boa parte do dia sentadas em carteirinhas, olhando para o quadro para aprender a desenhar letras e números, supostamente aprendendo a ler e escrever. Mas alfabetizar, por exemplo, é muito mais que aprender letras, é muito mais que aprender a ler e a escrever. É compreender o que se está lendo, é interpretar, é produzir um texto… E nós fazemos isso com as crianças, desde bem cedo.
Por exemplo: engatinhar, saltar, rolar, arrastar, são movimentos essenciais para que a criança tenha um bom controle motor fino e escreva bem. Bem como pegar corretamente no pincel e no giz de cera serão essenciais para segurar corretamente o lápis grafite. Sem falar que observar folhas e compará-las quanto aos detalhes internos (as pintinhas e nervuras) e externos (bordas lisas, bordas serrilhadas…) é que vai levar uma criança a facilmente diferenciar as letras M / N ou A e V. Observar as posições dos bichinhos de pelúcia, das bonecas, do colega ou a direção que vai um carrinho ou um besouro é que vai fazer com que percebam a diferença entre o n / u ou p / q / d / b…
Há muito mais entre o céu e a terra do que faz a nossa atual pedagogia!
Mas tudo isso, como disse, leva tempo! Leva tanto tempo que começamos nosso trabalho já com nossos pequenos do Infantil I.
Mas então tudo é alfabetização? Sim! Porque alfabetizar é muito mais que ensinar a ler e a escrever. é letramento. E acreditamos que é um processo iniciado ao nascer, talvez antes, e que só termina quando morremos.
Mas a educação hoje acha que alfabetizar é só ensinar a ler e escrever. E fazer isso rápido para poder adiantar o conteúdo do 1o ano, do 2o ano e assim por diante porque daqui a pouco esta criança estará no 9o ano e precisa entrar no Ensino Médio já sabendo uma série de conteúdos necessários ao vestibular!
E o processo de aquisição da leitura e da escrita – que é apenas uma parte do processo de alfabetização e letramento – passou a ser o novo vestibular, o vestibular da educação infantil. Nossas crianças de 5 e 6 anos estão pulando etapas e sendo apressadas em suas infâncias. Colocadas para aprender a ler e escrever e isso virou sinônimo de uma educação infantil “forte, boa”. Como se uma escola que não faz isso fosse “apenas uma escola para crianças pequenas”, enquanto não precisam aprender o que importa.
Mas, afinal, o que importa aprender? O que faz diferença na vida das nossas crianças hoje, enquanto estão na primeira infância, fase mais importante do desenvolvimento do ser humano (já comprovado pela ciência)? O que fará diferença para nossas crianças no futuro, que pode ser daqui a dois ou 20 anos? Será que vai haver um vestibular em 13, 15 anos? E como ele será? Que tipo de conhecimentos esse “vestibular” vai demandar de nossas crianças? Na verdade, a pergunta melhor é: “Que tipo de conhecimentos a VIDA vai demandar de nossas crianças?”
Por isso, estabelecemos o período regular com nossas crianças. Ao invés de quatro horas diárias, sendo apenas três horas de atividades e destas 30 minutos de brincar livre, são oito horas diárias na Escola e, destas, seis horas com para que sejam desenvolvidas as atividades curriculares em três horas e mais duas horas para as atividades de enriquecimento.
Nossa proposta sempre foi a de trabalhar a criança da forma mais holística e personalizada possível. De trazer atividades, brincadeiras, aulas diferentes, lúdicas, divertidas e interessantes. Mas o tempo está cada vez mais escasso. As exigências sociais sobre nossos pequenos são cada vez maiores.
Então, decidimos que nós, da SEMPRE, não permitiríamos que nossas crianças sofressem sejam os impactos dessas exigências sociais, sejam os efeitos das mudanças na educação brasileira, algumas absurdas a nosso ver, e que manteríamos nossas atividades de enriquecimento curricular para preservar a leveza, ludicidade e diversão que devem existir na Educação Infantil.
Assim surgiu o nosso período regular: turmas reduzidas, conforme a fase de desenvolvimento, primordialmente multisseriadas, e com seis horas de atividades para estimular e desenvolver não só conteúdos, mas principalmente o potencial de cada criança!
No turno de “atividades”, além das atividades de rotina (troca de roupa, rodinha de planejamento, lanche, recreio, artes e história) as professoras desenvolvem atividades, sempre lúdicas, concretas e divertidas, para trabalhar e alcançar as competências previstas no nosso Currículo em Mosaico, nas áreas:
Competências Socioemocionais;
Competências Artísticas;
Competências em Corpo, Espaço e Movimento;
Competências em Linguagens;
Competências em Lógica e Criatividade;
Desenvolvimento do Tema Universal.
Já no momento das Oficinas de Enriquecimento, as turmas se engajam em atividades e projetos em grupos multiidade, de 1 a 6 anos, escolhendo a oficina que querem participar ao longo da semana. É nesse momento que acontecem as atividades que vão acrescentar aquele “algo mais”, o diferencial na aprendizagem da criança.
Horta e Jardinagem;
Culinária;
Teatro
Lógica e criatividade;
Música (as crianças do período regular têm um momento a mais dessa atividade);
Saídas de Campo.
É o momento em que tudo o que foi apresentado e desenvolvido com as crianças poderá ser trabalhado da forma mais divertida e completa possível. É nesse momento que os alunos sedimentam as informações e as transformam em conhecimento, pois o que é trabalhado nas atividades curriculares será aplicado em projetos que envolvam diversas atividades, estimulando o saber-fazer, o saber-aprender e o saber-conhecer.
Engana-se quem pensa que criamos esse período mais longo de escola para facilitar a vida dos pais ou para seguir o modelo das escolas internacionais, de educação tradicional, comuns no Brasil. O fazemos por acreditar que precisamos desse tempo para fazer tudo o que fazemos, mantendo a brincadeira, a ludicidade e a leveza. Com menos pressão sobre as nossas crianças e sobre nossos professores. Com aulas de artes e história diariamente, com a troca de roupa diariamente, trabalhando com as crianças, desde bem pequenas, a independência e autonomia, a organização pessoal, orientação no tempo e espaço, enfim, trabalhando muito além dos conteúdos e conceitos.
Este período mais longo na escola, ao contrário do que acontece na maior parte das escolas de Brasília, não foi pensado para famílias que precisam deixar a criança na escola mais tempo. Foi cuidadosamente desenhado e vem sendo constantemente atualizado para que possamos nutrir todos os talentos das nossas crianças, respeitando o tempo, ritmo e estilo de aprendizagem de cada uma. É o momento em que tivemos:
90% dos lanches da Escola preparados pelas turmas e as crianças mais motivadas a uma alimentação saudável por terem produzido a própria comida;
nossa horta, plantada e mantida na oficina de horta e jardinagem, ensinando não só como plantar, mas sobretudo os cuidados com as plantas e a importância do reaproveitamento de materiais (consumo consciente), compostagem, adubos naturais e o respeito ao meio ambiente;
excursões com as crianças, que são experiências em primeira mão, ou seja, verdadeiras pesquisas de campo, dentro dos temas trabalhados pelas turmas;
produções cênicas todas criadas e produzidas pelas crianças, do texto ao cenário, passando pela confecção de fantasias e encenação de peças, monólogos, diálogos etc;
ampliamos o trabalho com as experiências científicas e sensoriais feitas pelos alunos, estimulando a observação, o raciocínio lógico, previsão de acontecimentos, relações de causa e efeito, estímulos visuais, táteis, olfativos;
intensificamos o trabalho desenvolvido nas aulas de música, aprofundando noções de ritmo, velocidade, volume, intensidade do som, além de ampliar o repertório musical;
construção dos cenários das festas e Semana da Criança, criando verdadeiras obras de arte e instalações inspiradas no Tema Universal.
Enfim, um trabalho intenso, rico e diferente, que só foi possível fazer porque temos mais tempo com as crianças. Assim, a cada construção, a cada oficina de cozinha experimental, teatro ou horta, muito além de dar instruções às crianças para que seguissem e imitassem o modelo dado pela professora, pudemos explorar antecipadamente a atividade que seria feita, relacionar e selecionar com as crianças o material a ser utilizado, “extrair” deles o passo a passo, botar a mão na massa e, depois, apreciar o que foi feito, relembrar cada etapa, verificar o que funcionou e o que não funcionou e refazer o que fosse necessário, corrigindo os rumos.
Este tempo a mais permite que as crianças, ao escolherem as oficinas que querem participar, reflitam, analisem, negociem, argumentem; que trabalhem em equipe e desenvolvam um pensamento sistêmico, olhando para o coletivo; que solucionem problemas, desenvolvam autonomia e iniciativa, vivenciem uma educação leve e divertida e aprendam que sim, é possível ter escolhas na escola e não apenas fazer o que o professor manda (“é hora da aula de matemática: abram o livro na página 21, vamos aprender a contar”).
Mas e a casa, a família? Não são importantes? Claro! E o convívio familiar deve estar em primeiro lugar no ranking de importância em termos de desenvolvimento infantil. A diferença é que crianças bem estimuladas (e por bem estimuladas não queremos dizer super estimuladas), que tenham na Escola um espaço de brincar-aprender-ser, chegarão em casa com energia para botar em prática, agora nas brincadeiras livres e individuais, o que aprenderam ao longo do período escolar, sedimentando tudo o que foi trabalhado. E não tenham dúvidas: há sempre mais espaço e tempo para brincadeiras! Ainda mais quando este espaço vem acompanhado da disponibilidade dos pais que já puderam trabalhar e resolver todos seus afazeres e agora tem o tempo exclusivo para brincar! (mesmo que sejam 30 minutos ou uma hora, mas sem precisar pensar nas compras de mercado, ou sem ter que ler o jornal ou sem ter que pagar aquela conta no internet banking…)
Neste período, conseguimos equilibrar as demandas das crianças, da escola e dos pais. Por isso, para aqueles pais que precisam da Escola em período integral, das 16h às 18h as crianças brincam livremente com as auxiliares, alternando os locais e brinquedos, acompanhadas não só fisicamente, mas com um adulto brincando junto, exatamente como fariam se estivessem em casa.
Então, vamos repetir: este período regular é fundamental para a vida escolar de nossas crianças. Sobretudo se pensarmos que sairão daqui para um modelo tradicional de educação, independente da escola escolhida. Sim, porque o sistema de ensino brasileiro, que determina a obrigatoriedade do ensino fundamental e seus parâmetros, é tradicional. É essencial garantir aos nossos pequenos que tenham ao menos cinco anos de um ensino livre, fora dos padrões, porque eles terão muito tempo para serem enquadrados.
Nossa proposta é fazer uma educação cada vez menos expositiva e mais participativa, pois nossas crianças têm muito mais capacidade do que se imagina e é preciso explorar essas capacidades tanto amplamente, quanto aprofundando-as.
O compromisso com o crescimento e desenvolvimento da criança requer tempo para que possamos, em conjunto, ajudar os pequenos a aprender a crescer, a pensar e a viver.
Tudo isso, não se enganem, demanda tempo e trabalho e é o que realmente faz com que aprendam. Porque aprender é muito mais que repetir, que imitar. É de fato introjetar, assimilar e aplicar.
Já experimentaram realizar uma tarefa doméstica rotineira com sua criança, como preparar um café da manhã? Imaginem apenas colocar a mesa: quanto tempo demoraria para fazerem juntos? Certamente pelo menos um terço a mais do tempo do que levariam fazendo sozinho. Agora imaginem colocar a mesa com a criança explorando verbalmente as cores, formas, quantidades, texturas, tamanhos etc. à medida em que pegam os objetos e os levam à mesa. Já dobramos o tempo de execução da tarefa. Juntem ainda uma boa dose de brincadeira: a diversão está garantida e a aprendizagem também! E poderíamos levar um dia inteiro colocando e tirando a mesa do café…
